terça-feira, 22 de junho de 2010

DUNGA: "COMIGO OU CONTRA MIM"?

Como não poderia deixar de ser, vou comentar sobre o episódio envolvendo Dunga e o Alex Escobar, repórter gente boa da Globo.

Constatação óbvia e inegável: Dunga passou dos limites. Ao proferir palavrões em público, ostensivamente provocando o jornalista, o técnico brasileiro perdeu a razão que eventualmente poderia ter.

Agora, vamos às ponderações:

Os jornalistas brasileiros, de modo geral, são muito mal preparados, quando não estão mal intencionados. Não é raro vermos perguntas completamente despropositadas ou repetidas na mesma entrevista coletiva. Parece que alguns profissionais não realizaram o mínimo de preparação prévia para abordar o treinador (e aí não é só em relação ao Dunga, isto ocorre com todos os técnicos e até mesmo com jogadores).

Com relação aos mal intencionados, há uma parcela da Imprensa que adota o marrom como cor favorita. Criam intrigas, fazem perguntas com agenda oculta e também provocam ostensivamente os entrevistados.

Lendo os comentários feitos aos posts nos blogs de Lédio Carmona e André Rizek, percebe-se, ao menos numa análise superficial, uma razoável maioria a favor... do Dunga. O que se pode concluir disto? O público percebe o despreparo e a eventual má intenção de setores da Imprensa e se solidariza com o técnico. Mais do que isto, a torcida vê a clara, inegável e irrazoável má vontade da maioria da Imprensa com o Dunga.

Neste último aspecto em particular, reedita-se com o Capitão de 1994 a mesma perseguição que havia com Zagallo. Durante anos, ao "Velho Lobo" foi imputada a falsa constatação de que ele seria um protegido da ditadura militar e que teria herdado um time pronto do João Saldanha, o qual, por sua vez, só teria sido demitido da então CBD por ter corajosamente desafiado o general de plantão na Presidência, Emílio Garrastazu Médici.

Pois bem, o decano da crônica esportiva brasileira, Luís Mendes, fez hoje mesmo o favor de relembrar que João Saldanha só foi demitido oito meses depois do debate público com o então Presidente Médici, o que deixa claro o mito que cerca este episódio.

Para além disso, a linha de frente magistral que foi à Copa de 70, que só tinha "camisas 10" (Jairzinho, 10 do Botafogo; Gérson, 10 do São Paulo; Tostão, 10 do Cruzeiro; Pelé, O 10; e Rivelino, 10 do Corinthians), foi armada por Zagallo, e não por João Saldanha (isto para não falar na adaptação de Piazza à função de zagueiro, dando segurança a uma defesa que carecia de alguma categoria com o técnico anterior, segundo relatos diversos).

Assim como Zagallo sofreu com o preconceito de grande parte de uma Imprensa majoritariamente simpática à esquerda e que, por conta disto, tinha que desmerecer o técnico que "roubara" o lugar de um notório comunista no comando da Seleção (talvez assim alguns teriam podido torcer para o Brasil com a "consciência mais tranquila", nos ditames dos livrinhos vermelhos que adoravam carregar...), Dunga também pena com um mito: o de que ele não sabia jogar bola e, por conseguinte, que perdemos em 1990 por causa dele e ganhamos em 1994 apesar dele.

Outra falácia. Dunga foi justamente um dos que se salvaram do vexame protagonizado pela Seleção na Itália e, ao contrário do que afirmam as viúvas do "joga bonito", o gaúcho não só destruía (e também o fazia muito bem), mas realizava uma excelente saída de jogo, muito melhor do que a maioria dos volantes do futebol brasileiro de hoje e de ontem. Só para citar duas jogadas marcantes daquele Mundial, é Dunga quem pôs Romário na cara do gol camaronês na primeira fase; e é ele mesmo quem vira o jogo para o Jorginho para cruzar a bola no gol contra a Suécia na semifinal.

Mas nada disto importa. O que interessa é reproduzir a implicância com a eficiência e um certo estilo "militar" do agora treinador gaúcho. Não podendo contestar fatos, já que os resultados são, até agora, muito bons (não incontestáveis como se diz por aí, pois perdemos a medalha de ouro olímpica numa semifinal em que a Argentina "passou o rodo" no Brasil), alguns jornalistas se dedicam agora a alterar, a todo momento, as premissas da avaliação de seu trabalho.

Um exemplo: Dunga era criticado por não ter imaginação, por convocar e substituir "em caixinhas", sempre trocando um jogador por outro com idênticas características, sem mudar o jeito do time jogar. Pois bem, desde a Copa das Confederações, ele tem tentado utilizar o Daniel Alves no lugar do Elano, para dar maior velocidade e ímpeto ofensivo ao meio-campo; no primeiro jogo deste Mundial, para tentar fazer o time atacar mais agressivamente a Coreia do Norte, substituiu o Kaká pelo Nilmar e recuou o Robinho para a armação.

Qual foi a reação? "Ora, se foi para utilizar outro jogador, para que trazer o Júlio Baptista e o Kléberson, que seriam os reservas imediatos?" Mas a reclamação não era justamente a falta de variação de jogo?!

Em outras palavras, nada do que Dunga fizer será suficiente para cessar a implicância de grande parte da Imprensa. E ser perseguido o tempo todo cansa.

Entretanto, quem assume o cargo de técnico da Seleção Brasileira tem que ter em mente que dificilmente agradará a todos. Esta é uma função que é mais cobrada até mesmo do que a Presidência da República. O técnico, neste caso, lidera o funcionamento do maior símbolo nacional, da maior expressão de amor coletivo do brasileiro. Portanto, a crítica será constante e pesada. Muitas vezes injusta, mas indispensável e impossível de se eliminar.

Acima neste blog dei um exemplo de como a Seleção transcende o campo meramente esportivo: João Saldanha retrucou publicamente um Presidente da ditadura militar e nada aconteceu. A autoridade investida no seu técnico atrai grande responsabilidade, como já diria o tio do Peter Parker, o Homem-Aranha ("grandes poderes trazem grandes responsabilidades").

Muito embora haja os traíras na Imprensa, Dunga não pode utilizar um recurso muito comum em ditaduras como aquela instalada em 1964 neste país: "quem não está comigo, está contra mim". O treinador brasileiro tem pautado sua vida por este mote. Não precisa ser assim. Mais ainda: não pode ser assim ser assim.

Quem se arvora a comandar a Seleção tem que se sujeitar a críticas e tem que aguentar o rojão, até para poder descobrir o que serve para melhorar o time e o que é patacoada de quem não entende nada de futebol, ou pior, o que é "cavadinha" para desestabilizar o time ou o próprio treinador.

Se Dunga continuar tratando toda a Imprensa como inimiga, além de perder um contraponto para suas ideias e, por conseguinte, uma oportunidade para aprimorar seu trabalho, acabará reforçando o preconceito já instalado neste mesmo meio.

Entretanto, a Imprensa tem que refletir sobre as reações (e são muitas) positivas à postura do técnico... Por que será que tanta gente o apóia?

Um comentário:

Beto disse...

Sua análise sobre o “affair” Dunga x Jornalistas está perfeita. Cheguei a pensar em fazer duas observações, mas conclui a tempo de que nada acrescentariam, seria “chover no molhado”. Ainda bem que não as fiz. Parabéns.

Abraço do
Beto