quarta-feira, 25 de junho de 2014

SUÁREZ COMO METÁFORA

O grande jogo da última terça foi, como se esperava, Itália e Uruguai. O mata-mata antecipado que despachou o terceiro campeão mundial para casa teve tudo o que se espera de uma partida deste tipo, inclusive a falta de técnica e o jogo truncado. Dentro do drama naturalmente presente nestes embates, todas as manchetes se voltaram para o novo acesso canibal de Luis Suárez.

Vendo as notícias e a crônica sobre o jogo de ontem, cheguei a uma conclusão claramente influenciada pela visão pessoal que tenho sobre história e política.

A Itália reclama muito da expulsão de Marchisio, pela entrada que deu em Arévalo no segundo tempo. Já na transmissão ao vivo percebi que o árbitro imediatamente levou a mão ao bolso de trás, para tirar o cartão vermelho. A falta foi na sua frente e, no replay, vê-se que o italiano vem por cima da bola, com a sola quase na altura do joelho do uruguaio. Neste momento deu-me o clique: a Itália, ontem, parecia ter vestido o tom mais claro de azul, assumindo a catimba que normalmente caracteriza nossos vizinhos cisplatinos.

Enquanto isto, sob a batuta do Maestro Oscar Tabarez, o Uruguai jogava com a cabeça. Sem deixar suas conhecidas garra e paixão de lado, mas sem cair na valentia burra que levou o futebol da Banda Oriental para o buraco por muitos anos. Com a expulsão do meio-campista azzurro, a Celeste tomou conta do jogo e via-se que o gol poderia ser questão de tempo.

Em outras palavras, o Uruguai deixou de lado o destempero que confundia valentia com grosseria e garra com covardia e jogava com inteligência, adotando um comportamento que dá um novo sentido às suas características históricas, abandonando aquilo que, embora natural, era nocivo ao seu jogo. O paralelo que se pode fazer é com a retomada democrática dos países latino-americanos nas décadas de 80 e 90 do Século XX. Depois de mais de um século de caudilhismos diversos, a América Latina parecia tomar a via da política institucionalizada, longe dos personalismos que nos conduziram a anos de desventuras.

Mas aí veio Suárez e sua ridícula mordida em Chiellini. Por sorte, o árbitro não viu e o Uruguai ficou com onze até o fim da partida. Mas a atitude do atacante, além de ser eticamente condenável e sequer comportar uma explicação que seja, diante das circunstâncias da partida e do lance, mancha a vitória de sua equipe (porque dá desculpa para que os europeus digam que estão sujeitos à "selvageria" dos sul-americanos), e pior, compromete o futuro do Uruguai na competição, já que um pesado gancho é esperado para o mordedor contumaz, sendo grande a probabilidade de que Suárez não jogue mais nesta Copa.

Neste ponto, outro paralelo. Após abandonar velhos vícios e conseguir uma vantagem competitiva e uma normalidade institucional, alguns países latino-americanos voltaram a acreditar num excepcionalismo quase adolescente, que propõe regimes políticos esdrúxulos, sempre calcados em indivíduos que reciclam o velho caudilhismo que sempre dominou a mentalidade política do continente.

Esta velha tentação latino-americana se personificou (como não poderia deixar de ser, ante nosso fetiche em fulanizar tudo) em Luis Suárez. Além da estupidez marcada no ombro de Chiellini, o atacante abusou do individualismo (olha ele aí de novo!), "fominhando" em dois contra-ataques que poderiam ter matado o jogo antes do fim e acalmado a situação para sua Seleção. Ou seja, depois de uma demonstração de empenho e entrega à sua equipe nacional, conduzindo o Uruguai à vitória contra a Inglaterra, o atleta que se destaca na liga mais estelar do planeta resolveu consagrar-se sozinho, em vez de continuar a servir seu time.

Eis nossa danação de sempre: nosso talento e nossas singularidades, em vez de nos impelirem à frente, são, com frequência a fonte de nossos problemas. A provável ausência de Suárez se constitui em grave desfalque para a Celeste, que terá que encarar uma Colômbia que vem sendo um sucesso de crítica e de público. Que seu esforço para superá-lo seja uma boa lição não só para os uruguaios, mas todos nós, latino-americanos. Dentro e fora do campo.

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