quinta-feira, 8 de maio de 2014

SELEÇÃO: ESPELHO E JANELA DO BRASIL.

Finalmente atendida a curiosidade do grande público, Felipão convocou os vinte e três que envergarão o sagrado manto amarelo na Copa de 2014. Num clichê muito batido, estão convocados os guerreiros que vão defender a "Pátria de Chuteiras", inspiração explícita e confessada do título deste bloguinho.

Embora a intenção do blog seja estender a análise para as outras modalidades que vêm se incorporando à cultura esportiva brasileira (e por isto o nome Pátria Desportiva), é evidente que o futebol ocupa um espaço majoritário em meus posts. E falando de futebol brasileiro, nossa Seleção é a expressão maior do nosso patriotismo traduzido em empenho atlético.

Em outras oportunidades e, se Deus quiser, num esforço que dará frutos num futuro próximo, já afirmei que a Seleção Brasileira é o nosso único produto global no cenário futebolístico. E assim o é por diversas circunstâncias, muitas delas claramente negativas. Entretanto, o furor que toma conta do país quando se trata de Copa do Mundo transforma o escrete nacional no receptáculo de todas as nossas esperanças e aspirações. E não se fala somente no campo esportivo: ela é o símbolo daquilo tudo que não conseguimos alcançar como Nação.

Já em outra ocasião tive a feliz oportunidade de citar o Professor Luís Roberto Barroso, atual Ministro do Supremo Tribunal Federal e de quem fui aluno. Em passagem já perdida nas muitas leituras que fiz de suas obras, na qual ele se refere à Constituição não só como um reflexo das virtudes e vícios de nosso país, mas também como um meio de antever um futuro desejado, um estado de coisas que transcenda nossas atuais limitações e apresente um Brasil mais justo e evoluído. Neste sentido, sua lição afirma que a Constituição seria, ao mesmo tempo, espelho e janela para os brasileiros.

Assim como a Constituição, a Seleção, como afirmei acima, é um símbolo nacional, e neste sentido também faz o papel simultâneo de espelho e janela.

Minha primeira impressão ao ver os convocados, embora não haja nenhuma surpresa, tendo todos os atletas constado de listas anteriores do técnico gaúcho, foi de identificar uma certa falta de experiência. Todas as especulações que apontavam principalmente para a possibilidade de convocação de Robinho, invocavam, além de sua versatilidade, sua prévia participação em duas Copas do Mundo. Tal informação ficou martelando em minha cabeça, realmente levando-me a pensar que um integrante mais experiente poderia aumentar as possibilidades da Seleção nesta Copa.

Entretanto, Robinho não foi convocado, e fiquei pensando que iremos ao Mundial com um time de garotos.

Não é bem assim. Lendo o perfil dos jogadores, embora somente cinco tenham experiência prévia numa Copa, vários dos estreantes são atletas beirando ou já além da barreira dos 30 anos. Quando se fala em Maxwell, Fernandinho, Hulk e Hernanes, pensa-se que são jogadores com históricos relativamente recentes, quase revelações, mas tratam-se de boleiros com grande rodagem, indivíduos que só chegaram à Seleção depois de gramarem muito por diversos cantos do Mundo, trabalhando silenciosamente até serem reconhecidos.

Neste sentido, a Seleção é a chance de glória para gente que eventualmente seria destinada ao veio mediano dos bastidores. Estes jogadores, jovens ou mais velhos, conseguiram o reconhecimento profissional num dos ambientes competitivos mais exigentes do planeta: o futebol europeu. São os indivíduos excepcionais que conseguiram superar a mediocridade que já atingiu os nossos campos, outrora legendários pela qualidade abundante de seus atletas. Aqui, são o espelho de um Brasil que não consegue evoluir para todos; que, ao contrário, pune o talento e inibe o crescimento individual, só permitindo fagulhas pontuais, exemplos de que as exceções pessoais confirmam a regra geral de um país que poda iniciativas que poderiam transformar nossa sociedade.

A Seleção também é uma ilha de excelência em meio a um futebol depauperado, que desperdiça recursos em profusão, que se perde em politicagem e aborta todas as tentativas de modernização. A Seleção, estampando as letras da CBF no peito, representa uma entidade que foi incapaz de estender o prestígio de sua equipe nacional para os clubes que formam e lançam os jogadores que puseram cada uma das cinco estrelas que encimam seu escudo. Aqui também ela é um espelho de um país em que o Estado não cabe dentro da sociedade; de um país em que o Estado não serve aos seus cidadãos, mas se serve deles.

Ao mesmo tempo, e como já disse antes neste post, a Seleção é a visão daquilo tudo que sempre quisemos ser: ousados, inovadores, reconhecidos. A Seleção é o Brasil que dá certo; é o Brasil de quem se exige nada menos do que o melhor; é o Brasil que reúne a culminância de nossos talentos, que é a recompensa do trabalho de vidas inteiras de seus integrantes. É o Brasil que dá orgulho ao brasileiro.

Num tempo em que o desânimo é generalizado, alio-me a Rica Perrone e mando para longe a chatice daqueles que reeditam em 2014 a tentativa de divorciar a torcida da Seleção, como quiseram, sem sucesso, fazer em 1970. As traficâncias e inépcias que nos fizeram irremediavelmente perder a Copa fora do campo nada tem a ver com os nossos candidatos a heróis que foram convocados hoje. A Pátria de Chuteiras é a nossa janela para aquilo que gostaríamos de ser. Os Párias de Gabinete que nos envergonham são o reflexo de que queremos nos livrar.

Não há, na lista de hoje, nenhuma heresia que será lembrada pelos anos futuros. A nova "Família Scolari" traduz, nas palavras de um saudoso amigo torcedor, "o que temos para hoje". Embora possa não ser o que sonhamos, talvez seja suficiente para resgatar um dos maiores traumas da Nacionalidade. Talvez o pragmatismo que Felipão tenta nos ensinar (pela segunda vez) seja uma janela que se abra para um país mais maduro, que não espera pelas condições ideais, nem pela "revolução" mágica que resolverá todos os nossos problemas.

Comprometer-se com um resultado - como Scolari o fez -, confiar na vitória pelo trabalho e deixar as fantasias de lado pode ser o maior legado que esta Seleção nos deixará.

Torçamos sem culpa. A vitória na Copa não será uma vitória de quem fez este arremedo de evento; assim como não será uma nuvem de fumaça a disfarçar a visão desagradável que temos no espelho. Torcer para esta Seleção, na verdade, pode ser uma aposta na visão de um Brasil que nos inspire a fazer mais por ele.

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