quinta-feira, 1 de maio de 2014

JÁ PERDEMOS A COPA

Pela enésima vez, voltei. Como meus pouquíssimos e caridosos leitores podem perceber, este blog vai caminhando aos trancos, sempre empurrado por um grande evento que lembre a este escriba que ele deveria estar dando vazão à sua paixão pelo esporte.

Pois bem, a pouco mais de 40 dias para a Copa do Mundo, podemos dizer que já perdemos o Mundial.

Não necessariamente dentro do campo, onde uma boa Seleção (e nada mais do que isto) pode contar com a torcida ao lado para fazer frente a equipes aparentemente mais sólidas, como a Alemanha e a Argentina, mas em tudo aquilo que se convencionou chamar de "legado" da Copa do Mundo.

A Copa de 2014 foi vendida para o país como uma oportunidade de acelerarmos investimentos necessários em obras de infra-estrutura e alavancarmos nosso potencial turístico, dentre outras benesses. Para quem acompanha os temas esportivos mais de perto, a realização do Mundial seria uma plataforma inigualável para mostrarmos nossa capacidade organizacional e levar a indústria esportiva brasileira para um outro patamar.

Pois bem, nada disso veio e, a pouco mais de 40 dias para a competição, nada virá.

Sempre fui um entusiasta das candidaturas do país para sediar mega-eventos, mas acho que estamos transformando não só a Copa de 2014, mas também os Jogos de 2016, num verdadeiro tiro no pé.

Para começar a comprovar a tese, um pequeno parêntese histórico. Tirando os países ditos "centrais" ou mais desenvolvidos, toda vez que um mega-evento como a Copa do Mundo de Futebol ou os Jogos Olímpicos é realizado por um país fora deste rol selecionado, tal empreitada serve como um "atestado" do desenvolvimento de tal país, quase como uma daquelas festas em que o indivíduo que começa a subir na vida dá para mostrar que... está subindo na vida.

Foi assim com as edições de 1988, 1992 e 2008 dos Jogos Olímpicos. Seul, Barcelona e Pequim eram as cidades-modelo de países que ascendiam ou chegavam ao cenário das nações desenvolvidas. A competição era a festa em que eles anunciavam sua nova condição de desenvolvimento.

As Copas refletem menos este traço, mas ainda assim as edições de 2002 (em que a Coreia do Sul dividiu a organização com o Japão) e 2010 (na África do Sul) foram torneios em que tais países também puderam mostrar seus avanços.

Pois bem, o que estamos, a pouco mais de 40 dias para a competição, mostrando para o Mundo? Uma incapacidade atroz de cumprir prazos e entregar obras e serviços prometidos. O estádio que sediará o jogo inaugural ainda não está pronto. Duas arenas não contarão com serviço de Internet wifi. Ainda que desprezemos os "gatilhos" de última hora e tenhamos estádios minimamente funcionais, o entorno de grande parte das arenas é patético.

E o transporte para chegar até lá. Com raríssimas exceções, será um atestado do nosso desprezo pela forma mais civilizada de circulação em meio urbano. O transporte público continua relegado à falta de planejamento e a uma misteriosa incapacidade regulatória. Isto para não falar dos aeroportos, síntese de nossa inépcia gerencial e operacional.

Em suma, faremos o papel da pessoa que se voluntariou para cumprir uma tarefa e entregou tudo de última hora, feito às pressas e com vários pedaços faltando. As imagens que rodam o Mundo são estas: um país desorganizado, incapaz de cumprir um cronograma. Uma curiosidade sociológica para os gringos que passarão um mês por aqui. Nas palavras erradamente ou não atribuídas a Charles de Gaulle: um país que não é sério.

Para piorar, sequer o futebol poderá extrair os melhores frutos que um Mundial sediado em Terra Brasilis poderia gerar. A realização da Copa por aqui poderia despertar a atenção para nosso Campeonato Nacional e nossos times, fazendo com que o Brasil deixasse de ser somente a sede da Seleção Canarinho, e passasse a ser o celeiro de times com uma história respeitável e local em que há um campeonato de futebol realmente disputado.

Entretanto, até isto estamos conseguindo perder. O semestre que antecedeu a Copa foi pontuado por torneios estaduais ridículos e o Campeonato Brasileiro começou sob o signo da palhaçada que encerrou a edição de 2013 e suscitou a pantomima da Portuguesa na primeira rodada da Série B de 2014. Em outras palavras: o que temos para mostrar como produto futebolístico para nossos visitantes? Um calendário esquizofrênico e um torneio nacional que gastou, numa rodada, boa parte da credibilidade construída a duras penas ao longo de dez anos.

A pouco mais de 40 dias da Copa do Mundo, podemos lamentar tê-la perdido. Cabe-nos torcer somente para que o hexa nos traga brevemente a ilusão de que ainda somos o país do futebol, a única que parece ter restado.

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