sábado, 5 de julho de 2014

UMA AUSÊNCIA, OUTRA METÁFORA

A contusão de Neymar tomou proporção de verdadeiro drama nacional. Já vi inclusive gente protestando contra a preocupação do país com o destino de uma só pessoa. Um recado a estes: deixem de ser chatos. Tentar negar o poder de mobilização da Copa é ignorar a história e, mais do que isto, fechar os olhos à realidade com que já estamos convivendo há mais de vinte dias. E não é só aqui no Brasil. O Mundo para a cada quatro anos.

Posta esta premissa, a lesão de Neymar e a falta que ele fará ao nosso time é uma boa oportunidade para termos um aprendizado como Nação. Em certa medida, a presença dele em campo reforçava um vício brasileiro. Não só no futebol, mas na vida como um todo. É evidente que nosso time tem limitações; que o planejamento para esta Copa foi no mínimo criticável, na medida em que fomos resgatar um treinador já na sua curva descendente, depois de inventarmos um técnico que visivelmente não tinha currículo para comandar a Seleção. Entretanto, o fato de contarmos com Neymar em nossas linhas criava o sentimento de que as coisas poderiam ser resolvidas "magicamente". Jogar-se-ia a bola para ele e sua capacidade individual resolveria nossos problemas.

Fazendo jus à nossa herança cultural, reproduzimos em tudo, e também no futebol, o Sebastianismo que assombrou nossos patrícios por muito tempo. Explica-se: Dom Sebastião era um Rei de Portugal que desapareceu durante as Cruzadas e, durante muito tempo, nutriu-se a lenda de que ele retornaria para liderar os portugueses. Ou seja, Dom Sebastião voltaria para, magicamente, resolver os problemas da Nação.

Durante muito tempo, confiamos os destinos da Nação aos "Defensores Perpétuos", a projetos de "Generalíssimos", a "Pais dos Pobres" ou aos "Nossos Guias". Estamos sempre à procura do pai que nos conduzirá a "Terra Prometida". No futebol, a extrema fortuna de termos contado com Pelé nos fez todos viúvas do gênio que venceria as partidas sozinho; que, também magicamente, instilaria a arte vista em 1958, 1962 e 1970 em elencos muito distintos daqueles que cercavam o "nosso" Rei.

Atravessamos um longo deserto de 24 anos até aprendermos que somente com o trabalho duro e um time organizado voltaríamos a vencer. E ainda assim creditamos a conquista de 1994 majoritariamente a Romário. A conquista de 2002, tendo contado com três jogadores singulares (Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo - e este nem acho que seja o gênio que muita gente diz que é), reforçou nossa crença em soluções fantásticas.

Pois bem, Neymar era prova de que Deus seria brasileiro, tendo nos agraciado com mais um fora-de-série. E bola nele que ele resolve.

Mas agora estamos sem Neymar. E vamos encarar a Alemanha. E temos também que encarar a realidade: ao contrário do que se repetiu a vida inteira, não somos mais o país do futebol. São os alemães os verdadeiros "donos da bola". Em Copas, podem não ter ido a todas, mas são eles que têm mais jogos realizados e que estiveram mais presentes entre os quatro primeiros (13, em 18 Copas). São eles também que têm o campeonato que põe mais gente no estádio, em todo o Mundo; e são eles que têm o maior número de jogadores federados.

Mais do que isto, são eles que estão jogando bem. Agora são Götze e Müller que dominam a bola com categoria; são Schweinsteiger e Özil que distribuem o jogo com inteligência e precisão.

Em suma, eles são melhores. São mais organizados. E são simpáticos, souberam chegar no nosso país e integrar-se às nossas tradições e idiossincrasias. Não dá nem para odiá-los, como fazemos com os argentinos, cuja torcida com frequência se comporta da pior forma possível.

E agora? Agora vamos ter que superá-los com o que temos. Cada jogador terá que dar 110%, pois não contamos mais com o craque que tudo resolveria. Se perdermos, não haverá vilão a ser execrado; não haverá um heroi sobre o qual depositarmos a culpa por não ter decidido sozinho. Se perdermos, perderemos todos. Juntos.

E juntos também venceremos, se vencermos. Esta é a oportunidade de abraçarmos a metáfora criada para nós. Temos um mundo de desvantagens para os alemães, tanto dentro, quanto fora do campo. Mas uma vitória na próxima terça seria um poderoso símbolo coletivo de superação, de união e empenho. Sem mágica.

Será a vitória da solidariedade, em que um corre pelo outro, como foi dito momentos antes da Seleção entrar em campo ontem. E em que todos correm por aquele que não pode mais correr. Da mesma forma que deveria ocorrer aqui fora.

E por que deveriam fazê-lo? Porque é uma Copa, e nestes momentos nossa identidade nacional exige que sejamos bons como raramente somos em outras horas. E mais do que uma Copa, é o Mundial que estamos tendo em casa; o torneio organizado para que tivéssemos a oportunidade de resgatar um dos maiores traumas coletivos da nacionalidade. Temos a oportunidade de fazer a festa que mais gostamos de celebrar, todos juntos. Jogadores e torcedores. Time e povo.

Mas, como estamos em casa, a vantagem e a razão da ânsia quase insuportável de glória só se justificam se, além dos jogadores, cada um de nós faça a sua parte. Argentinos estão tirando onda nas arquibancadas. Os alemães fazem mais barulho que nós em qualquer jogo. A torcida não poderá ficar somente assistindo a partida, vai ter que jogar junto. O dever cívico de terça-feira é sair rouco do Mineirão.

Estamos sem o Capitão; sem o craque e o avô de um de nossos melhores jogadores acabou de falecer. O adversário é o melhor time da Copa. Mas a noite mais escura precede o nascer do sol.

Chega de metáforas. Vamos 'pra cima deles Brasil!!

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