domingo, 8 de março de 2015

RUMO À SÉRIE C

Novamente, passei um longo tempo sem escrever neste bloguinho. Vicissitudes de quem trabalha muito. Mas vamos ao que interessa: quando criei este blog, minha intenção era traduzir a identificação que o Brasil e os brasileiros têm com o esporte e como este seria um excelente veículo para a expressarmos um patriotismo saudável.

Sempre defendi aqui que o esporte era um espelho de nossas qualidades e uma janela para nossas aspirações coletivas. O esporte sempre foi um elemento catalisador do que podemos ter de melhor e, nos últimos anos, parecia ser a vitrine pela qual mostraríamos que finalmente estávamos cumprindo nosso destino de "país do futuro". Tínhamos ganho o direito de sediar, em sequência, uma Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. A confiança da FIFA e do COI mostrava que, contrariando a frase atribuída ao General De Gaulle, éramos vistos como um país sério.

Mesmo com as críticas e as ressalvas de vários setores (meu irmão, jornalista esportivo, sempre teve reservas a tais iniciativas), acreditava que o compromisso em entregar dois eventos deste porte seria uma alavanca para alcançarmos novos padrões de gestão pública e de gestão esportiva; que o envolvimento do país em projetos caros ao imaginário popular (o Brasil como uma potência esportiva, traduzindo nossa vocação para sermos uma grande nação) seria um vetor de melhoramento em diversas áreas.

Entretanto, a Copa passou e nos deixou alguns elefantes brancos, uma seleção desmoralizada e um rastro de suspeitas. Os Jogos Olímpicos se aproximam e continuamos na rotina de atrasos, aditivos, desmentidos e críticas internacionais à nossa atávica incapacidade de honrar nossa palavra.

Mais do que isso, a Copa passou e o futebol brasileiro regrediu quase vinte anos, reelegendo figuras notórias para os mesmos cargos, voltando à mesquinharia de sempre e à falta de visão que agora nos faz perder jogadores para a China e termos menos público do que na ainda incipiente Liga norte-americana de futebol.

Os Jogos Olímpicos se aproximam e vemos que um raro modelo de eficiência administrativa no esporte, a Confederação Brasileira de Vôlei, não estava imune aos desmandos que pululam em todas as outras federações, clubes e confederações ao redor do país. E, enquanto isso, uma esgrimista confessa publicamente sua vergonha em competir pelo país.

A premissa deste blog está correta: o esporte é realmente o espelho de nossa nação. Mas a imagem ali refletida é muito feia. Tenho andado muito desesperançoso, e a cada dia vejo que nos afundamos nos erros de sempre. Grita-se muito - e com razão - contra a corrupção nas esferas governamentais, mas os políticos não vêm de Marte, saem da sociedade que temos. E um setor que traduz de modo contundente os vícios do povo brasileiro é justamente o esporte. A falência de clubes e os desmandos de federações nada têm a ver com o setor público, mas com nosso patrimonialismo e nossa quase inexistente afeição à institucionalidade e à democracia.

O acentuado declínio técnico de nosso futebol, a modalidade de preferência nacional, é consequência direta de anos em que acreditamos que não precisamos planejar nada; de décadas em que confiamos que o talento continuaria a brotar da terra, sem que qualquer trabalho fosse necessário.

Somos um povo capaz de grandes façanhas, mas só quando a sorte está do nosso lado. Quando precisamos trabalhar duro para construir um caminho seguro para alcançar nossos desejos, fracassamos rotundamente. Durante mais de dez anos, preferimos acreditar que nosso sucesso já estava garantido, que o Pré-Sal era "nosso bilhete para o futuro", que já tínhamos nos transformado numa nação de Primeiro Mundo, ou, na linguagem boleira que um ex-Presidente da República adora, que já tínhamos assegurado nosso lugar na Série A.

Pois bem, agora descobrimos que nunca deixamos a Série B e, pior, começamos a nos preocupar com o risco iminente de nos tornarmos um país de Série C. Não só jogamos fora o trabalho feito para preparar nosso "acesso" à Série A, como estamos abandonando as poucas virtudes que caracterizavam nosso país, rumando em marcha batida para a irrelevância global.

Já estamos vendo isto no nosso esporte predileto. Certamente teremos um alento no ano que vem, porque confio na gestão do Comitê Olímpico Brasileiro e na força da torcida nos Jogos Olímpicos que disputaremos em casa. Mas, e depois?

Pior do que isto: com o quadro dantesco que vivemos na política e na economia, associado aos atrasos que já acumulamos em nossas obrigações com relação à organização do referido megaevento, pelo que seremos lembrados no futuro da história esportiva? Pretendíamos ser uma nova versão dos Jogos de Barcelona, mas corremos o sério risco de estarmos relegados ao rebotalho que acolheu o legado nefasto dos Jogos de Atenas...

Desculpem o tom pessimista do post, mas, parafraseando o personagem de Al Pacino em Perfume de Mulher, estou muito velho e muito cansado para seguir acreditando que "sou brasileiro e não desisto nunca", uma peça de ufanismo tolo e que remete claramente ao ideário bolorento do Regime Militar, inusitadamente resgatado por um partido que construiu sua (falsa) imagem num pretenso combate ao autoritarismo.

Ainda na esteira do mesmo antológico discurso cinematográfico, o país inteiro remete à figura com que o personagem de Al Pacino se descreve: sempre tivemos claros diante de nós os dois caminhos que poderíamos seguir, e invariavelmente escolhemos o errado. Sempre seguimos pela trilha mais fácil, aquela que sedutoramente nos dizia que estávamos predestinados ao sucesso, sem qualquer necessidade de trabalho duro. Os frutos estamos colhendo agora. O futebol no Brasil é a primeira modalidade que se esfarela diante de nossos olhos, assim como o país vai se desfazendo na sua infra-estrutura, na sua institucionalidade política, na sua sustentabilidade econômica.

Pegamos a trilha mais fácil, aquela bem larga, sem qualquer aclive. Mas estamos descobrindo que o pouco esforço para percorrê-la aponta para baixo. Estamos rumo à Série C.